A Acalásia é uma doença do esófago e que é caracterizada por uma incapacidade de abertura da “válvula” de saída do órgão (que comunica com o estômago) quando engolimos ou seja pela ausência de relaxamento do esfíncter esofágico inferior à deglutição.
Tubo digestivo, localização e funções do esófago
O tubo digestivo é muito extenso, sendo constituído por numerosas porções. Uma delas é o esófago, que é basicamente uma estrutura em forma de tubo oco (que pode apresentar um comprimento de 18-26cm) com capacidade de se contrair, e que é responsável por transportar os alimentos da boca ao estômago. Para executar essa tarefa ele possuí várias propriedades e características. As mais importantes são a existência de 2 “válvulas” designadas por esfíncteres; a primeira encontra-se na entrada do órgão, junto à boca, e abre-se quando engolimos os alimentos. A segunda encontra-se no final do esófago e serve de comunicação com o estômago, abrindo ou relaxando quando engolimos. Esta “válvula” designa-se por esfíncter esofágico inferior. Uma outra propriedade particularmente importante do esófago é sua capacidade de conduzir os alimentos através dele possuindo para isso uma capacidade de se contrair e empurrar os alimentos da entrada à saída, isto é: da boca ao estômago. Estes movimentos designam-se por peristálticos. Em resumo: após engolirmos os alimentos o esófago abre a sua entrada superior (ou esfíncter esofágico superior), e conduz os alimentos até à “válvula” de saída (ou esfíncter esofágico inferior), que se abriu ou relaxou quando engolimos, permitindo a entrada dos alimentos no estômago. A Acalásia é uma doença que afecta exclusivamente o esófago embora, como veremos adiante possa, eventualmente provocar complicações em outros órgãos.
O que é verdadeiramente a Acalásia
A Acalásia é uma doença do esófago e que é caracterizada por uma incapacidade de abertura da “válvula” de saída do órgão (que comunica com o estômago) quando engolimos ou seja pela ausência de relaxamento do esfíncter esofágico inferior à deglutição. Associadamente o esófago é incapaz de se contrair e movimentar os alimentos da sua entrada à saída ou seja não apresenta movimentos peristálticos. Em resumo após entrarem no esófago os alimentos não só são dificilmente conduzidos à “válvula” de saída como quando lá chegam, encontram-na encerrada.
Quais as suas causas
A verdadeira causa da doença é desconhecida. Muitos estudos parecem afastar a existência de agentes infecciosos como causadores da doença, bem como parece pouco provável uma causa hereditária. Na realidade estudos feitos com gémeos verdadeiros (univitelinos) não sugerem esse aspecto.
Quando se estudam indivíduos com Acalásia encontram-se várias alterações nos nervos e músculos do esófago. A “válvula” de saída do esófago é inervada por dois tipos de nervos: uns que causam encerramento ou contracção desta “válvula” (esfíncter) e que geralmente predominam e outros que quando estimulados (por exemplo ao engolirmos alimentos) levam à abertura da “válvula”. O que inicialmente acontece é que os nervos que provocam a abertura da porta (ou relaxamento do esfíncter) são destruídos (por motivo desconhecido), fazendo com que a “válvula” esteja permanentemente encerrada e não se abra quando engolimos. Numa fase posterior os nervos que causam os movimentos peristálticos (movimentos para conduzir os alimentos) também são comprometidos, o que leva a dificuldade de condução dos alimentos através do esófago.
O que leva o doente a procurar auxílio médico, isto é quais os sinais e sintomas da doença
A principal queixa do doente é a dificuldade que ele tem em engolir alimentos, sintoma habitualmente referido por disfagia. Inicialmente esta dificuldade inicia-se para alimentos sólidos, mas em breve atinge também os líquidos. A grande generalidade dos doentes tem, durante a evolução da doença, dificuldade na deglutição quer para sólidos quer para líquidos. Em muitos doentes esta queixa é “flutuante”, aumentando de gravidade até atingir um equilíbrio, enquanto para outros a dificuldade em engolir vai aumentando sempre, sendo causa de abandono da alimentação e de emagrecimento. Muitos doentes referem, após engolirem, uma sensação de paragem do alimento, quer na zona média do peito, quer na base do pescoço, embora a zona mais frequentemente referida como local da obstrução seja o local onde termina o esterno (osso da parte média do tórax). Muitos doentes aprendem e referem várias manobras para forçar a comida a passar para o estômago: levantar os braços acima da cabeça, manterem-se direitos (postura erecta) durante a refeição, comerem muito lentamente e até beberem bebidas gasosas.
A segunda queixa mais frequentemente referida pelos doentes é o retorno à boca de alimentos ingeridos minutos, horas ou dias antes, e que se acumularam no esófago, fenómeno designado por regurgitação. Frequentemente, durante a noite ou pela manhã muitos doentes acordam com tosse ou falta de ar, causados pelos alimentos que voltaram à boca e passaram para o aparelho respiratório. Este aspecto, designado por aspiração, pode mesmo complicar-se por pneumonias (infecção dos pulmões) devido à deposição de restos alimentares no tecido pulmonar. Para evitar isso muitos doentes aprendem a dormir com a cabeceira da cama elevada e evitam refeições abundantes ao jantar.
Finalmente uma outra queixa típica é a dor no peito (dor na região do esterno), que surge em cerca de 30-50% dos doentes e que é muitas vezes desencadeada pela alimentação. Esta pode ser a causa de muitos doentes emagrecerem por deixarem de comer. Com a evolução da doença existe um grupo de doentes que deixa de ter dor.
Como fazer o diagnóstico, isto é os exames necessários a que o seu médico lhe assegure ter uma Acalásia
O diagnóstico da Acalásia baseia-se nas queixas já referidas, nomeadamente na disfagia para sólidos e líquidos, de longa evolução, dor e regurgitação, acompanhados, por vezes, de queixas respiratórias.
No entanto, o recurso aos seguintes exames complementares de diagnóstico é fundamental:
Endoscopia Digestiva Alta (visualização directa do esófago, estômago e duodeno através de um tubo flexível de fibras ópticas, com cerca de 1cm de diâmetro, que é introduzido pela boca).
– A sua realização é obrigatória no sentido de eliminar outras doenças que possam imitar as queixas da Acalásia (tumores do esófago e porção alta do estômago; estenose péptica do esófago- aperto resultante do refluxo de ácido do estômago para o esófago).
– No caso dos doentes com Acalásia pode-se observar um megaesófago (esófago muito dilatado) com abundantes resíduos; a passagem do esófago para o estômago faz-se com “ressalto” do aparelho (figura 1).
Figura 1

Estudo radiológico baritado do esófago (após beber uma papa de material opaco, são efectuadas múltiplas radiografias ao esófago)
– Caracteristicamente nos doentes com Acalásia observa-se um afunilamento da porção terminal do esófago em “bico de pássaro” (figura 2).
– Na Acalásia de longa duração, observa-se um esófago muito alargado e sem movimentos que levem o conteúdo do esófago para o estômago (figura 2).
– Em doença de curta duração este exame pode ser normal.
Figura 2

Manometria esofágica (este exame é efectuado através da introdução pelo nariz de uma sonda flexível e de fino calibre que permite medir as pressões do esófago)
– Este exame permite o diagnóstico definitivo da Acalásia.
– Neste exame estudam-se os movimentos que levam o conteúdo do esófago para o estômago e a pressão do esfíncter esofágico inferior (EEI) e o seu relaxamento aquando das deglutições.
– Caracteristicamente na acalásia o relaxamento do EEI está ausente ou diminuído e associadamente existe uma ausência de motilidade do esófago (figura 3).
Figura 3

Qual o tratamento ou tratamentos que poderão resolver o seu problema e melhorar a sua qualidade de vida
Esta doença não tem, na actualidade, cura definitiva. Pretende-se com o tratamento uma melhoria das queixas e da qualidade de vida dos doentes.
No tratamento da Acalásia podem ser utilizadas:
– Terapêutica medicamentosa
– Podem-se utilizar os antagonistas do cálcio (nifedipina) ou nitratos (dinitrato de isosorbido) que relaxam a musculatura lisa gastro-intestinal e diminuem a pressão do EEI.
– A eficácia deste tratamento é muito limitada e pode acompanhar-se de alguns efeitos secundários (dores de cabeça e sensação de desmaio por queda da tensão arterial). Na prática, na maioria dos casos opta-se por uma terapêutica mais eficaz após alguns meses com esta terapêutica, que nos doentes que respondem inicialmente, tende a ser cada vez menos eficaz.
Terapêutica endoscópica
– Existem duas formas de tratamento endoscópico:
1) Injecção de toxina botulínica ao nível do EEI
– A toxina botulínica bloqueia a libertação de acetilcolina (agente libertado pelos nervos que enervam o esófago), provocando o relaxamento do EEI.
– A sua aplicação faz-se por injecção ao nível do EEI por endoscopia alta.
– A eficácia varia entre os 65-90% após a primeira injecção, com duração de 3 meses a 1 ano, mas perde efeito a longo prazo, obrigando a múltiplas sessões, que tendem a perder eficácia.
– Os efeitos secundários mais frequentes estão relacionados com o procedimento e são essencialmente a dor torácica e a pirose (ardor retro-esternal). Os efeitos secundários a longo prazo são ainda desconhecidos.
– Pode ser o método de escolha em doentes idosos e com alto risco cirúrgico.
2) Dilatação pneumática do EEI
– É considerado o tratamento clássico e de primeira linha para a acalásia.
– Procede-se à dilatação ao nível do EEI com rotura de fibras musculares dirigida por endoscopia e através de um balão insuflável, o que provoca uma marcada diminuição da pressão do EEI.
– Cerca de 2/3 dos doentes apresentam uma resolução excelente das queixas, após uma a duas dilatações durante um período médio de 1-5 anos.
– O risco desta técnica prende-se com a perfuração esofágica que pode ocorrer em 5% dos casos (figura 4) e obrigar a uma intervenção cirúrgica
Figura 4

Terapêutica cirúrgica (Miotomia)
– A cirurgia constitui a forma de tratamento mais permanente.
– Consiste no corte das fibras musculares do EEI, reduzindo a sua pressão e, podendo actualmente ser efectuada por laparoscopia (cirurgia através de orifícios na parede abdominal), reduzindo desta forma o tempo de internamento e as possíveis complicações da cirurgia.
– A eficácia a curto prazo da miotomia cirúrgica é de 80-90%, contudo o reaparecimento das queixas ocorre em cerca de 30% dos doentes. Nas formas de doença de longa evolução em que o esófago está muito dilatado e sem motilidade (como um tubo rígido), a miotomia por si própria não é suficiente, podendo ser necessárias cirurgias mais agressivas.
As terapeuticas mais eficazes são a dilatação e a miotomia. São no entanto também as que podem ter mais complicações, nomeadamente o aparecimento de refluxo gastro-esofágico. Os doentes com contraindicação para cirurgia ou para dilatação podem optar pela injecção de toxina botulínica, sabendo, no entanto, que vão ser necessárias múltiplas sessões de injecção com baixa da eficácia ao longo do tempo.
Que complicações é que a doença pode provocar
Algumas das complicações causadas pela Acalásia já foram referidas anteriormente. Assim existem complicações ligadas ao aparelho respiratório, como a tosse, sensação de sufoco iminente e falta de ar, bem como as infecções do aparelho respiratório (pneumonias). Outra complicação já anteriormente referida é o emagrecimento, causado fundamentalmente pela diminuição da ingestão de alimentos que o próprio doente escolhe para evitar a dor, ou porque a dificuldade em engolir é muito marcada.
Finalmente há a referir que os doentes com Acalásia têm um maior risco que a população normal de desenvolverem cancro do esófago e que esse risco parece ser maior com muitos anos de duração da doença. Sabe-se hoje que apesar desse risco existir ele é bastante baixo, de tal forma que não existem programas nem recomendações especiais de vigilância para a detecção precoce do cancro em doentes com Acalásia.
O que pode esperar da doença, isto é qual o prognóstico para uma pessoa que tem Acalásia
A Acalásia acarreta sobretudo uma importante alteração da qualidade de vida, que no entanto pode ser recuperada na sua quase totalidade com a instituição de um tratamento adequado.
Em última análise podemos dizer que o prognóstico da Acalásia é favorável e que quem tem esta doença vive em média o mesmo que uma pessoa saudável.
Fica a recomendação final que a sensação de dificuldade em engolir os alimentos é sempre uma queixa de alarme e que deve levar o doente precocemente ao médico, não esperando pela sua evolução.