Raquel Ortigão1, Diogo Libânio1,2
1 - Department of Gastroenterology, Porto Comprehensive Cancer Center, and RISE@CI-IPOP (Health Research Network), Porto, Portugal.
2 - MEDCIDS, Faculty of Medicine, University of Porto, Porto, Portugal.
O rastreio com endoscopia digestiva alta (EDA) demonstrou ser rentável para o diagnóstico de cancro gástrico em populações de alto risco quando combinado com a colonoscopia de rastreio[1]. As lesões gástricas iniciais são muitas vezes subtis e de difícil deteção. Apesar de a EDA apresentar um elevado valor preditivo negativo, a sua sensibilidade é subótima, estimando-se uma taxa de missings de 6-10% [2,3]. Assim, é da maior importância que a qualidade da EDA seja otimizada. Apresentam-se de seguida erros comuns na inspeção gástrica, cuja evicção permite aumentar a qualidade da endoscopia e diminuir as falhas diagnósticas.
Erro #1: Não preparar o estômago
Para melhorar a visualização não só do estômago, mas também do esófago e duodeno, vários ensaios randomizados mostraram o benefício da administração de agentes “anti-espuma” e mucolíticos [4,5]. A associação de simeticone e N-acetilcisteína antes da endoscopia demonstrou reduzir a necessidade de lavagem intraprocedimento, o tempo de procedimento, melhorando a observação da mucosa gástrica [6], embora outros autores não tenham encontrado benefício para a associação da N-acetilcisteina [5]. Não foram demonstradas complicações secundárias à administração destes agentes nos doentes submetidos a EDA com ou sem sedação. O momento ideal para a administração de simeticone (200mg) ± N-acetilcisteina (500mg) é 10 a 30 minutos antes do procedimento (volume 100ml).
Erro #2: Ser rápido na gastroscopia (take your time)
A ausência de indicadores de qualidade objetivos para a EDA torna difícil a monitorização da acuidade do endoscopista e a identificação de fatores responsáveis por exames falsamente negativos. As recomendações europeias publicadas em 2016 recomendam pelo menos sete minutos para a realização de uma EDA desde a intubação até à extubação [7] sendo esta recomendação baseada num estudo de coorte retrospetivo que demonstrou que um maior tempo de endoscopia (cut off 7 minutos) se associa a maior número de lesões gástricas pré-malignas ou malignas detetadas (odds ratio 2.50 e 3.42) [8]. Também numa análise retrospetiva com mais de 100.000 indivíduos submetidos a EDA de rastreio, identificou-se que endoscopistas com uma média de 3 minutos de tempo de retirada detetaram uma proporção mais elevada de neoplasias [9].
Erro #3: Não utilizar cromoendoscopia na avaliação da mucosa gástrica
A deteção de lesões gástricas superficiais tem uma grande variabilidade inter-observador quando apenas é utilizada endoscopia com luz branca. A utilização da cromoendoscopia virtual não só melhora a deteção de lesões e condições pré-malignas como também reduz esta variabilidade [10,11]. Existem vários sistemas digitais incluídos nos equipamentos de endoscopia disponíveis no mercado como NBI (Narrow-band imaging), BLI (Blue Laser Imaging), LCI (Linked color imaging), sendo o NBI o mais amplamente estudado e validado. Atualmente a utilização de endoscópios de alta definição e cromoendoscopia virtual está recomendada quer no diagnóstico quer na vigilância de doentes com lesões superficiais gástricas.
#4 Não realizar biópsias, ou realizar biópsias excessivas ou inadequadas
As biópsias gástricas são necessárias para o diagnóstico e estadiamento da gastrite crónica e para a deteção de Helicobacter pylori (Hp), pelo que devem ser realizadas em doentes com potencial benefício na erradicação de Hp e na vigilância endoscópica caso tenham condições pré-malignas extensas. Assim, sempre que estes forem objetivos, a realização de biópsias guiadas por cromoendoscopia virtual ou seguindo o protocolo de Sydney-Houston modificado está recomendada. Contudo, uma vez estabelecido o fenótipo, a realização de biópsias não está recomendada, sendo de maior importância a inspeção adequada, ressalvando-se que esta recomendação implica a disponibilidade de endoscópicos de alta definição e formação adequada em cromoendoscopia virtual. Na suspeita de lesão neoplásica superficial, recomenda-se a realização de 1-2 biópsias para confirmação histológica da natureza neoplásica e aferição da diferenciação, sendo, no entanto, de evitar a recolha de demasiadas biópsias da lesão que pode originar fibrose e comprometer a resseção endoscópica subsequente. Por outro lado, na presença de lesões avançadas devem ser realizadas pelo menos seis biópsias [12].
Referências
1 Areia M, Spaander MC, Kuipers EJ, Dinis-Ribeiro M: Endoscopic screening for gastric cancer: A cost-utility analysis for countries with an intermediate gastric cancer risk. United European Gastroenterol J 2018;6:192-202. 2 Pimenta-Melo AR, Monteiro-Soares M, Libanio D, Dinis-Ribeiro M: Missing rate for gastric cancer during upper gastrointestinal endoscopy: a systematic review and meta-analysis. Eur J Gastroenterol Hepatol 2016;28:1041-1049. 3 Januszewicz W, Witczak K, Wieszczy P, Socha M, Turkot MH, Wojciechowska U, Didkowska J, Kaminski MF, Regula J: Prevalence and risk factors of upper gastrointestinal cancers missed during endoscopy: a nationwide registry-based study. Endoscopy 2022;54:653-660. 4 Sajid MS, Rehman S, Chedgy F, Singh KK: Improving the mucosal visualization at gastroscopy: a systematic review and meta-analysis of randomized, controlled trials reporting the role of Simethicone +/- N-acetylcysteine. Transl Gastroenterol Hepatol 2018;3:29. 5 Elvas L, Areia M, Brito D, Alves S, Saraiva S, Cadime AT: Premedication with simethicone and N-acetylcysteine in improving visibility during upper endoscopy: a double-blind randomized trial. Endoscopy 2017;49:139-145. 6 Monrroy H, Vargas JI, Glasinovic E, Candia R, Azua E, Galvez C, Rojas C, Cabrera N, Vidaurre J, Alvarez N, Gonzalez J, Espino A, Gonzalez R, Parra-Blanco A: Use of N-acetylcysteine plus simethicone to improve mucosal visibility during upper GI endoscopy: a double-blind, randomized controlled trial. Gastrointest Endosc 2018;87:986-993. 7 Bisschops R, Areia M, Coron E, Dobru D, Kaskas B, Kuvaev R, Pech O, Ragunath K, Weusten B, Familiari P, Domagk D, Valori R, Kaminski MF, Spada C, Bretthauer M, Bennett C, Senore C, Dinis-Ribeiro M, Rutter MD: Performance measures for upper gastrointestinal endoscopy: A European Society of Gastrointestinal Endoscopy quality improvement initiative. United European Gastroenterol J 2016;4:629-656. 8 Teh JL, Tan JR, Lau LJ, Saxena N, Salim A, Tay A, Shabbir A, Chung S, Hartman M, So JB: Longer examination time improves detection of gastric cancer during diagnostic upper gastrointestinal endoscopy. Clin Gastroenterol Hepatol 2015;13:480-487 e482. 9 Park JM, Huo SM, Lee HH, Lee BI, Song HJ, Choi MG: Longer Observation Time Increases Proportion of Neoplasms Detected by Esophagogastroduodenoscopy. Gastroenterology 2017;153:460-469 e461. 10 Dias-Silva D, Pimentel-Nunes P, Magalhaes J, Magalhaes R, Veloso N, Ferreira C, Figueiredo P, Moutinho P, Dinis-Ribeiro M: The learning curve for narrow-band imaging in the diagnosis of precancerous gastric lesions by using Web-based video. Gastrointest Endosc 2014;79:910-920; quiz 983-e911, 983 e914. 11 Yao K, Uedo N, Muto M, Ishikawa H, Cardona HJ, Filho ECC, Pittayanon R, Olano C, Yao F, Parra-Blanco A, Ho SH, Avendano AG, Piscoya A, Fedorov E, Bialek AP, Mitrakov A, Caro L, Gonen C, Dolwani S, Farca A, Cuaresma LF, Bonilla JJ, Kasetsermwiriya W, Ragunath K, Kim SE, Marini M, Li H, Cimmino DG, Piskorz MM, Iacopini F, So JB, Yamazaki K, Kim GH, Ang TL, Milhomem-Cardoso DM, Waldbaum CA, Carvajal WAP, Hayward CM, Singh R, Banerjee R, Anagnostopoulos GK, Takahashi Y: Development of an E-learning System for the Endoscopic Diagnosis of Early Gastric Cancer: An International Multicenter Randomized Controlled Trial. EBioMedicine 2016;9:140-147. 12 Pimentel-Nunes P, Libanio D, Marcos-Pinto R, Areia M, Leja M, Esposito G, Garrido M, Kikuste I, Megraud F, Matysiak-Budnik T, Annibale B, Dumonceau JM, Barros R, Flejou JF, Carneiro F, van Hooft JE, Kuipers EJ, Dinis-Ribeiro M: Management of epithelial precancerous conditions and lesions in the stomach (MAPS II): European Society of Gastrointestinal Endoscopy (ESGE), European Helicobacter and Microbiota Study Group (EHMSG), European Society of Pathology (ESP), and Sociedade Portuguesa de Endoscopia Digestiva (SPED) guideline update 2019. Endoscopy 2019;51:365-388.