Pesquisa

Erros comuns

Erros comuns na restrição de FODMAPS em doentes com SII

Catarina Sousa Guerreiro
Professora Associada em Nutrição, Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa
Nutricionista com a especialidade em Nutrição Clínica, Hospital da Luz

1. Assumir que a restrição prolongada de FODMAPS é inofensiva

Atualmente a restrição de FODMAPS é uma estratégia alimentar frequentemente recomendada no controle do SII. Os dados mostram que em 75% dos doentes há uma resposta positiva nos sintomas de meteorismo/dor/controlo motilidade, aquando da fase de restrição total destes compostos. É um facto que com a restrição destes compostos a melhoria é frequentemente observada, mas também é verdade que a permanência prolongada nessa restrição pode acarretar riscos para o doente. Não só riscos físicos (causados por défices nutricionais, alteração da microbiota) como também psicológicos. Existem alimentos com elevado teor de FODMAPS (ex. alho, cebola, pão…) que estão muito enraizados na gastronomia portuguesa, e a sua restrição pode facilmente levar a comportamentos um pouco obsessivos, de isolamento/exclusão com importante impacto social e familiar.

2. Assumir que é uma estratégia a adotar independentemente dos hábitos alimentares prévios do doente

De forma a que esta intervenção nutricional produza os efeitos desejados é necessário ter em conta alguns aspetos/comportamentos/hábitos do próprio doente. Perante um doente com hábitos alimentares pouco saudáveis (consumo de muita gordura, muito açúcar, muito fast food, pouca fibra…) será importante realçar em primeiro lugar que a manutenção desses comportamentos levam à criação de um “ambiente intestinal” altamente disbiótico, e essa disbiose pode por si só conduzir ao agravamento dos sintomas. Nesses casos, sempre que possível o encaminhamento para o nutricionista deve ser pratica para que seja avaliada a pertinência de uma intervenção mais restritiva. Pode simplesmente bastar, para a melhoria de sintomas, a adoção de hábitos alimentares mais saudáveis. Mas se à partida numa consulta de gastrenterologia, o médico perceber que o doente já apresenta hábitos alimentares relativamente saudáveis, mas mantem sintomas, então não há dúvida que a restrição de FODMAPS deve ser equacionada assim que possível.

3. Não referenciar ao nutricionista para elaboração de um plano nutricionalmente adequado

Apesar de estarem altamente difundidas as tabelas com alimentos ricos e pobres em FODMAPS, é comum os doentes referirem que não conseguem implementar a dieta, dadas as inúmeras restrições a que terão de estar sujeitos. Embora seja conhecido por todos o reduzido número de nutricionistas, e também o difícil acesso a consultas de nutrição por ausência de comparticipação das mesmas, é desejável sempre que possível o encaminhamento para este profissional, não só porque desta forma evita-se o risco de maiores carências nutricionais, mas também porque este profissional irá auxiliar na construção de um plano adaptado aquele doente em particular. Dadas as restrições inerentes a este processo é pouco provável que o doente consiga orientar-se de forma totalmente autónoma.

4. Desconhecer que o método ideal para a restrição de FODMAPS implica a sua posterior provocação.

De acordo com o protocolo de origem (Monash University), a restrição total de FODMAPS deve ser circunscrita a um determinado período de tempo (máximo 8 semanas), com a posterior reintrodução alimentar, realizada de forma organizada para que se identifiquem as potenciais sensibilidades alimentares. Assumir que o doente que melhora com a restrição total de FODMAPS, deve permanecer nessa dieta de exclusão para sempre, é uma má pratica clínica. Só com as fases de restrição, e provocação bem feitas, será possível chegar a conclusões de alguma forma efetivas e úteis para o doente.

Referências

  • De Palma, G., & Bercik, P. (2022). Long‐term personalized low FODMAP diet in IBS. Neurogastroenterology & Motility34(4), e14356.
  • Gibson, P. R., Halmos, E. P., So, D., Yao, C. K., Varney, J. E., & Muir, J. G. (2022). Diet as a therapeutic tool in chronic gastrointestinal disorders: Lessons from the FODMAP journey.Journal of Gastroenterology and Hepatology37(4), 644-652.