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Resumo do Curso de Outono – 24 horas de Neurogastrenterologia com o tema Disrupção da Interação Intestino Cérebro: Os Fundamentos da Clínica

No dia 17 de Novembro de 2023 deu início o curso de Outono – 24 horas de Neurogastrenterologia com o tema Disrupção da Interação Intestino Cérebro: Os Fundamentos da Clínica.

A abertura do curso teve a apresentação do convidado de honra Dr. Leopoldo de Matos, apresentado pelo Dr. Eduardo Pereira, presidente do Núcleo de Neurogastrenterologia e Motilidade Digestiva.

Durante as 24 horas do curso, decorreram várias palestras e conferências que incidiram sobre temas como:

• Desenvolvimento do eixo intestino cérebro: determinante das respostas mente corpo

• Interação das diferentes modalidades terapêuticas

• Experiências adversas da infância EAI: determinante do binómio saúde doença

• Antevisão Roma V – 2026

A participação multidisciplinar de várias especialidades médicas, nomeadamente gastrenterologia, psiquiatria e pediatria, bem como nutrição e psicologia, promoveu a pluralidade de perspetivas e competências necessárias à melhor compreensão da temática apresentada.

De seguida apresentamos alguns temas abordados nas diferentes palestras:

Desenvolvimento do eixo intestino cérebro: “determinante das respostas mente-corpo” – Dr. Eduardo Pereira

A conferência destacou 4 pontos, com os seguintes separadores.

1. Revisitar a história: com apontamentos sobre o modelo biopsicossocial de G.L.Engel e a sua aplicação como modelo conceptual biopsicossocial na doença Funcional digestiva por Douglas A. Drossman. Seguiu-se uma referência à hipótese de Baker (1994), segundo a teoria da programação fetal que se aplica às causas epigenéticas das doenças crónicas não comunicáveis.
Sobre as Origens da Saúde e Doença “Desenvolvimento” foram feitas referências ao papel do ciclo de vida e aos primeiros 1000 dias de vida.

2. Contextualizar: quer quanto ao que existe de comum relativamente ao eixo Cérebro-Intestino-Microbioma quanto às doenças crónicas (NC) e às diversas especialidades médicas e, de diferente quanto ao tipo de estímulos, respostas comportamentais e ao papel integrador do Eixo Cérebro-Intestino-Microbioma; referida uma publicação de 2023 quanto à relação entre exposições adversas no início da vida e a síndrome do intestino irritável. A este propósito foram recordados os mecanismos de doença desta patologia ao longo do tempo.

3.Desenvolvimento do eixo Cérebro-Intestino-Microbioma: explicada o seu desenvolvimento comum e simultâneo mas não sintonizado do cérebro e sistema
nervoso entérico, que têm origem nas células da crista neural; lembrada a migração e colonização intestinal pelas células da crista neural; especificamente o desenvolvimento do cérebro (paralelo e interdependente) e do intestino por intervenção do microbioma, com a natureza de uma coreografia do microbioma e desenvolvimento cerebral; referidas as determinantes da colonização intestinal: e a sua arquitetura final aos 3 anos de idade.

4.Sistema de interação Cérebro-Intestino-Microbioma segundo o modelo biológico de sistemas: sobre este ponto foi salientada a importância da programação das respostas através dos mecanismos da neurobiologia e da neuroplasticidade e o papel da ativação dos dois conectomas no início de vida; referida a importância da plasticidade do sistema e modulação adaptativa, vulnerabilidade genética e influências do exposoma; foi explicada de forma dinâmica dos fenótipos da interação cérebro-intestino-microbioma conectoma cerebral e conectoma intestinal e distúrbios complexos.

• Neuromoduladores centrais: saber prescrever (Dr. Vasco Medeiros)

A base biopsicossocial dos distúrbios da interação intestino-cérebro (DIIC) reconhece a intrincada interação entre fatores biológicos, psicológicos e sociais na sua etiologia e manifestação. É de particular importância compreender estes distúrbios a partir desta perspetiva holística para melhorar a avaliação e o tratamento. As experiências da infância, incluindo as crenças e comportamentos dos pais, têm um impacto significativo no desenvolvimento dos distúrbios da interação intestino-cérebro, bem como o reforço positivo do comportamento de doença e do estado psicológico dos pais, particularmente ansiedade e depressão, estão fortemente associados aos sintomas abdominais das crianças. Por outro lado, eventos adversos na vida, como abuso, aumentam o risco e a gravidade dos DIIC. O apoio social e as influências culturais também desempenham papéis significativos. Assim sendo, muitas vezes, o sofrimento psicológico precede e acompanha o desenvolvimento dos DIIC, exacerbando os sintomas e afetando os resultados do tratamento. Os transtornos de humor, incluindo depressão, são comorbilidades comuns em pacientes com DIIC e estão associados a piores resultados e maior utilização de cuidados de saúde.

A comunicação bidirecional entre o intestino e o cérebro, conhecida como eixo cérebro-intestino, envolve mecanismos neurofisiológicos complexos. Disfunções nesses mecanismos contribuem para a hipersensibilidade visceral e alterações nas respostas cerebrais em pacientes com DIIC. Estudos de imagem estruturais e funcionais demonstram anormalidades em regiões cerebrais envolvidas no processamento emocional e na modulação da dor em pacientes com DIIC. O sofrimento psicológico influencia vários aspetos da função gastrointestinal através de vias eferentes do cérebro e do intestino, afetando a motilidade GI, a integridade da mucosa e a função imunológica. A desregulação do sistema nervoso autónomo e do eixo hipotálamo- hipófise-adrenal pode ocorrer em subgrupos de pacientes com DIIC, influenciando a fisiopatologia. A microbiota intestinal comunica bidirecionalmente com o cérebro por meio de vias neuronais, endócrinas e imunológicas, impactando distúrbios comportamentais e relacionados com a dor, incluindo DIIC.

Compreender a natureza multifacetada dos DIIC, incluindo os seus componentes ambientais, psicológicos e fisiológicos, é essencial para uma avaliação e tratamento abrangentes.

O objetivo do uso de neuromoduladores nos DIIC centra-se na redução de sintomas e na melhoria da qualidade de vida. Como princípios gerais para o seu uso, assume especial importância considerar diagnósticos psiquiátricos comórbidos ao selecionar neuromoduladores e a seleção de agentes deve ser feita com base nos seus efeitos periféricos específicos e na principal queixa do doente.

O tratamento da dor gastrointestinal crónica inclui o uso de antidepressivos tricíclicos (ADT) e inibidores da recaptação de serotonina e noradrenalina (SNRI), sendo que os ADT apresentam as evidências mais convincentes de benefício. Recomenda-se dosagens baixas a moderadas de ADT, com ajustes baseados nos efeitos colaterais. Os SNRI podem oferecer benefícios iguais aos ADT, mas com menos efeitos colaterais anticolinérgicos. Agentes ligantes delta, como pregabalina ou gabapentina, também são discutidos para dor neuropática associada a DIIC, reduzindo potencialmente a hipersensibilidade visceral. O uso de SSRI deve ser sempre considerado em pacientes com ansiedade ou benefícios incompletos de ADT ou SNRI.

1. Particularizando o uso de neuromodularodes centrais em DIIC mais frequentes:

1.1 Síndrome do intestino irritável (SII): Antidepressivos tricíclicos (ADT) como a amitriptilina são tratamentos de primeira linha, especialmente para IBS-D. Os SNRI (duloxetina, venlafaxina) também podem melhorar a dor na SII, particularmente na SII- C. Os SSRI podem ser considerados para sintomas relacionados com ansiedade no SII.


1.2 Azia funcional e dor torácica funcional: Ensaios de tratamento com agentes neuromoduladores, como ADT e SSRI, podem ser considerados para pacientes com azia com dor no peito, nos quais a doença do refluxo gastroesofágico foi descartada. A amitriptilina demonstrou benefícios na dor esofágica, enquanto os SSRI podem ser eficazes para a dor torácica funcional.

1.3 Síndrome de desconforto pós-prandial (PDS): A buspirona e a mirtazapina são tratamentos potenciais para a PDS. A buspirona melhora a acomodação gástrica, enquanto a mirtazapina pode aliviar náuseas e vômitos crônicos.


1.4 Síndrome da Dor Epigástrica (SEP): Os ADT, particularmente a amitriptilina, são recomendados como tratamentos de primeira linha para a SEP.


1.5 Síndrome do Vómito Cíclico (CVS): O tratamento envolve a gestão de episódios agudos com agentes antieméticos e tratamento profilático com neuromoduladores centrais como ADT e SNRI para reduzir a gravidade e a frequência dos episódios. Os canabinóides devem ser eliminados para prevenir episódios futuros.

    2. Uso de tratamento de potenciação:


    A potenciação envolve a adição de um segundo agente de ação central ou que atue perifericamente quando a monoterapia é ineficaz ou mal tolerada. As opções incluem combinar ADT com SSRI ou SNRI, adicionar antipsicóticos atípicos como a quetiapina ou usar anticonvulsivantes como terapia adjuvante. A abordagem deve ser personalizada com base nas características individuais do paciente e na resposta ao tratamento.

    3. Na ausência de resposta ao tratamento:


    3.1 Ajuste de dose: Se os sintomas persistirem após 4-6 semanas de tratamento, as opções incluem aumentar a dose da medicação atual se o paciente não tiver atingido a dose ideal e se os efeitos colaterais estiverem ausentes.

    3.2 Potenciação: Se a dose atual for maximizada ou se houver efeitos colaterais recomenda-se a potenciação com um segundo agente em dose baixa. Os exemplos incluem a adição de um agente periférico como gabapentina/pregabalina ou um antipsicótico atípico como a quetiapina para ansiedade e distúrbios do sono.

    Troca de medicação: Se os efeitos colaterais forem graves ou se o tratamento atual for ineficaz, pode-se considerar a troca para um medicamento diferente. No entanto, deve-se evitar a troca de medicamentos apenas com base nos efeitos colaterais relatados. Os efeitos colaterais geralmente ocorrem nos primeiros dias de tratamento, pelo que é importante avaliar a gravidade dos sintomas, o seu impacto nas atividades diárias e se diminuem com o tempo. Os pacientes devem ser informados de que os efeitos colaterais geralmente diminuem à medida que o tratamento prossegue. Alguns efeitos colaterais relatados podem estar relacionados com o sofrimento psicológico pré-existente e não com medicação em si. O médico deve considerar fatores psicológicos ao avaliar os efeitos colaterais relatados e evitar a descontinuação indiscriminada da medicação.

    Neuromoduladores centrais: mecanismos de ação central (Dra. Inês Pestana)

    1.Introdução

    Os sintomas gastrointestinais apresentam uma elevada prevalência na população. No entanto, em muitos casos, mesmo após investigação clı́nica detalhada, não é encontrada uma causa orgânica ou estrutural para os mesmos, levando ao diagnóstico de distúrbios gastrointestinais funcionais (FGDIs). Os FGDIs foram redefinidos pela Fundação de Roma nos critérios de Roma IV (2016) como distúrbios da interação intestino-cérebro. Estes são os diagnósticos mais comuns na área da Gastrenterologia, caracterizados por uma combinação de distúrbios da motilidade, hipersensibilidade visceral e alterações da função mucosa e imunológica, microbiota intestinal e processamento nervoso central. Estas condições altamente prevalentes afetam até 40% da população em algum momento, sendo que dois terços destas pessoas terão sintomas crónicos e flutuantes, alguns de grande intensidade.

    A atividade intestinal está diretamente ligada e é neuromodulada pela atividade cortical através de vias neurais aferentes e eferentes. Essa comunicação neuro-humoral bidirecional integrada entre o trato gastrointestinal (TGI) e o sistema nervoso central (SNC) é definida como eixo intestino-cérebro, e a sua disfunção é a base biológica desses distúrbios e sintomas, bem como da exacerbação de outras condições primárias. Assim, os sistemas nervosos do cérebro e do intestino partilham os mesmos neurotransmissores e recetores. Estes neurotransmissores têm ações que dependem do local onde atuam. O eixo intestino-cérebro, com os seus sistemas de neurotransmissores noradrenérgicos, serotoninérgicos e dopaminérgicos, é particularmente relevante no que diz respeito à motilidade intestinal e à dor visceral. Portanto, os antidepressivos terão efeitos não apenas em distúrbios psiquiátricos, mas também em sintomas gastrointestinais crónicos. Estes mecanismos de ação fornecem a base teórica para a neuromodulação nos FGDIs e em outros sintomas somáticos dolorosos, independentemente da presença de transtornos de ansiedade ou humor.

    O valor e a utilidade dos antidepressivos e outros neuromoduladores no tratamento de doentes com FGDIs não são bem compreendidos por muitos gastroenterologistas e outros clínicos. Isto pode ocorrer porque a sua aplicabilidade não é adequadamente ensinada nos programas de formação ou porque esses agentes podem ter características estigmatizantes. Clínicos pouco treinados podem prescrevê-los apenas para tratar doenças psiquiátricas concomitantes ou para reduzir o stress e os doentes podem demonstrar alguma hesitação em usar “antidepressivos” para sintomas gastrointestinais. Compreender os processos neuromoduladores do eixo intestino- cérebro em diferentes níveis pode fornecer insights sobre a fisiopatologia de algumas condições específicas, bem como definir oportunidades para novas estratégias terapêuticas.

    2.Neuromoduladores: Mecanismos de ação central

    O mecanismo de ação mais aceite relativamente aos antidepressivos disponíveis baseia-se na “hipótese das monoaminas”, ou seja, na crença de que a depressão resulta do défice de uma ou mais das três monoaminas – serotonina (5-hidroxitriptamina [5-HT]), noradrenalina (NA) e, em menor grau, dopamina (DA) – em vários circuitos cerebrais (acompanhados ou não por regulação compensatória dos seus recetores pós-sinápticos).

    Os antidepressivos aumentam rapidamente as ações sinápticas de uma ou mais dessas monoaminas, seguidas de uma regulação descendente adaptativa mais lenta e/ou dessensibilização dos recetores de monoaminas pós-sinápticas (Fig. 1). Supõe-se que os mesmos mecanismos de ação estejam subjacentes aos efeitos ansiolíticos bem documentados destes fármacos. A maioria das classes de antidepressivos aumenta a atividade de monoaminas ao bloquear os transportadores pré-sinápticos de uma ou mais monoaminas, que terminam a sua ação sináptica através da recaptura para o neurónio pré-sináptico. O aumento global da neurotransmissão monoaminérgica resulta numa estimulação aguda de recetores pré e pós-sinápticos no SNC, o que também pode induzir alguns dos efeitos adversos centralmente/autonomicamente mediados dos antidepressivos. A estimulação da neurotransmissão 5-HT, por exemplo, pode induzir agitação, ansiedade, insónia e disfunção sexual (devido à estimulação de recetores 5-HT2A e 5-HT2C em vários locais no SNC), bem como náuseas e vómitos (devido à estimulação de recetores 5-HT3 no tronco cerebral). A tolerância à maioria desses efeitos adversos geralmente desenvolve-se de forma célere, embora a disfunção sexual seja mais propensa a persistir. A estimulação de recetores NA pode induzir efeitos adversos cardiovasculares, incluindo alterações na frequência cardíaca e na pressão arterial, bem como ativação/agitação motora. No entanto, o facto dos antidepressivos geralmente serem prescritos em dosagens inferiores no tratamento de FGDIs em comparação com o tratamento de transtornos de ansiedade ou do humor (especialmente com antidepressivos tricíclicos [TCAs]), parece limitar o risco de efeitos adversos.

    As mesmas propriedades farmacológicas que explicam a ação antidepressiva destes fármacos também podem explicar os seus efeitos analgésicos através do eixo intestino-cérebro, que constitui a base biológica da percepção de dor visceral. Por um lado, através das suas ações monoaminérgicas, os antidepressivos podem interferir na função dos circuitos cerebrais relacionados com a dor, especialmente porque os circuitos emocionais e cognitivos visados pelos antidepressivos estão altamente entrelaçados com as regiões de processamento da dor. Isto pode também explicar a modulação psicológica profunda da experiência da dor, especialmente relevante para a significativa proporção de doentes com FGDIs e com transtornos de humor ou ansiedade. Por outro lado, os antidepressivos interferem com os complexos mecanismos de transmissão da dor ao nível do corno dorsal da medula espinhal (ou seja, a primeira sinapse na cascata de transmissão da dor aferente). Estímulos viscerais da periferia são transmitidos ao corno dorsal da medula espinhal, onde ocorre a primeira sinapse. A última sinapse primária ocorre nos corpos celulares dentro do cérebro. Relativamente ao trato espinotalâmico, o neurónio de terceira ordem está dentro do tálamo, que atua como o principal local para a matriz central da dor. O tálamo está organizado anatomicamente de forma a que os sinais nocivos da medula espinhal sejam enviados para regiões específicas do córtex somatossensorial primário para localização do sinal. Em contraste, a localização cortical da dor visceral geralmente é menos precisa, uma vez que o sinal ascendente da medula espinhal inerva em múltiplos níveis, e as fontes de sinal de dor visceral e fontes somáticas podem ser transmitidas pela medula espinhal e neurónios de segunda ordem (convergência viscerossomática). Dentro da matriz central da dor, o tálamo envia sinais para regiões cerebrais que processam o componente emocional do sinal da dor, como a amígdala, ínsula, córtex cingulado anterior, hipocampo e núcleo accumbens. Em condições normais, a ativação da matriz central da dor fornece as respostas comportamentais apropriadas (emoção desagradável, vigilância ou imobilização do local afetado) para promover a recuperação e aprender a evitar esse estímulo. A resposta aferente após o processamento central é direcionada por projeções descendentes de núcleos do tronco cerebral, incluindo o núcleo periaqueduto cinzento, núcleo da rafe, locus cerúleo e medula rostral ventral lateral até o corno dorsal da medula espinhal, modulando a transmissão da dor aferente ao nível da primeira sinapse. Estas vias descendentes são controladas de forma “top-down” por regiões cerebrais, como a amígdala e o córtex cingulado anterior. É importante relevar que essas projeções são principalmente opióides, noradrenérgicas e serotoninérgicas, e, como resultado, os antidepressivos podem interferir profundamente nesses processos moduladores.

    Em condições fisiológicas normais, a maioria dos sinais do intestino não é percebida conscientemente. No entanto, a experiência subjetiva da dor visceral resulta da percepção consciente de sinais direcionados do intestino para o cérebro induzidos por estímulos nocivos. Ao indicar uma potencial ameaça à homeostase, exige uma resposta comportamental. A percepção da dor visceral não segue um padrão linear, mas surge de um processo psicobiológico complexo, em que a intensidade do input aferente periférico é processada e continuamente modulada por circuitos cognitivos e afetivos no cérebro e através de moduladores descendentes. Esses mecanismos ajudam a entender a influência dos processos cognitivos e afetivos na percepção de sintomas gastrointestinais em doentes com FGDIs e o efeito terapêutico de intervenções direcionadas a esses mesmos processos. Além disso, a disfunção desses sistemas moduladores pode permitir que estímulos fisiológicos não nocivos sejam percebidos como dolorosos ou desagradáveis (hipersensibilidade visceral), levando a dor visceral crónica ou desconforto, uma característica dos sintomas da FGDIs.

    A neuroplasticidade, a perda de neurónios corticais com dor crónica, eventos traumáticos e doenças psiquiátricas, e a neurogénese (ou regeneração) de neurónios com o tratamento clínico, contribuem para a nossa compreensão de como os antidepressivos podem ajudar a reduzir os sintomas gastrointestinais. Células cerebrais em regiões como o hipocampo podem morrer após trauma psicológico grave, o que está associado ao desenvolvimento de stress pós-traumático ou dor crónica. A diminuição da densidade cortical após trauma é observada em outras regiões cerebrais envolvidas na regulação emocional e da dor. Adicionalmente, há evidências de que os antidepressivos, e possivelmente os tratamentos psicológicos, parecem aumentar o crescimento de neurónios precursores nestas regiões. Os níveis do fator neurotrófico derivado do cérebro aumentam com o tratamento antidepressivo e isso correlaciona-se com períodos mais prolongados de tratamento e com o grau de recuperação da depressão. Além disso, quanto mais tempo os doentes são tratados com antidepressivos, menor é a frequência de recaída ou recorrência da depressão ao longo do tempo, podendo ajudar o cérebro a “reconectar-se” para se aproximar de um estado pré-mórbido de funcionamento. Além destes efeitos centrais, os antidepressivos podem exercer efeitos profundos na fisiologia periférica do TGI, aumentando a neurotransmissão serotoninérgica e noradrenérgica (e neurogénese periférica), o que também pode explicar alguns dos seus efeitos benéficos em FGDIs, bem como alguns dos seus efeitos secundários gastrointestinais.

    Em conclusão, intervenções neuromoduladoras em qualquer nível da via de neurotransmissão podem potencialmente influenciar o resultado clínico, resultando numa melhoria clínica dos doentes com FDGIs. Estas intervenções podem visar recetores na periferia (ou seja, no TGI) por meios farmacológicos, ou podem atuar centralmente, onde as fibras nervosas específicas influenciam a atividade no circuito neural como um todo.

    • Bioterapêutica- presente e futuro – Dra. Mónica Velosa

    As bioterapêuticas emergem como uma área de enorme crescimento, sendo envolvidas em várias doenças e processos patológicos. O microbioma, um ecossistema complexo de microrganismos, desempenha um papel crucial na saúde e na doença humana. Com o aumento do interesse nesta área, surge o conceito híbrido do “médico do microbioma”, um profissional que não só atua como clínico, mas também como investigador, integrando conhecimento científico de ponta para personalizar tratamentos baseados no microbioma.

    Os fatores que modificam o microbioma são diversos. O tempo de trânsito intestinal, o uso de medicação (para além dos antibióticos), a história de doenças prévias e a dieta são elementos que influenciam diretamente a composição microbiana no trato gastrointestinal. Além disso, alterações no microbioma podem surgir devido a mudanças no ambiente intestinal, promovendo um desequilíbrio ou disbiose, que está frequentemente associado a doenças gastrointestinais e sistémicas.

    O conceito de um “super” microbioma refere-se à busca do microbioma mais saudável possível. Atualmente, não existe uma definição única do que constitui o microbioma ideal, dado que fatores genéticos, dietéticos e ambientais moldam sua diversidade. Estudos indicam que alguns perfis bacterianos, chamados de enterotipos, podem ser mais favoráveis à saúde, enquanto outros, como o enterotipo Bac2, têm sido associados à disbiose e ao desenvolvimento de patologias, como doenças inflamatórias intestinais e síndrome do intestino irritável.

    As bioterapêuticas apresentam vários níveis de complexidade, sendo uma das mais estudadas a Transplante de Microbiota Fecal (FMT), que tem mostrado evidências robustas no tratamento da infeção por Clostridioides difficile. Para além disso, surgem abordagens inovadoras como as terapias FMT-like, que visam a manipulação bacteriana sem a necessidade de transplante completo de fezes. Comunidades bacterianas sintéticas, probióticos de nova geração e biologia sintética são outras áreas promissoras, permitindo a introdução ou modulação de microrganismos específicos para restaurar o equilíbrio intestinal. Para além disso, ao redesenhar organismos e sistemas biológicos naturais, torna-se possível potenciar novas capacidades de acção ambiental, ecológica e biológica da saúde.

    Por fim, a terapia fágica, que envolve o uso de vírus que infetam bactérias (bacteriófagos), apresenta-se como uma solução emergente para combater infeções bacterianas resistentes. Todas estas abordagens oferecem uma nova esperança para o futuro da medicina personalizada, onde o microbioma poderá ser manipulado de forma precisa para prevenir e tratar uma vasta gama de doenças.

    Dieta e Microbiota

    Diarreia Crónica

    Dispepsia

    Distúrbios motores do esófago

    Doença diverticular

    Doença do refluxo gastroesofágico

    Doenças do pavimento pélvico

    Endoscopia

    Esofagite eosinofílica

    Gastroparésia

    Motilidade Digestiva

    Obstipação

    Roma IV

    Síndrome do Intestino Irritável