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US Quiz of the Month – October 2012

CASE REPORT

Doente do sexo masculino, 40 anos, com infecção VIH, sem outros antecedentes relevantes.

Em ecografia abdominal, realizada por dispepsia, foi detectada uma lesão da parede gástrica, posteriormente caracterizada por TC abdominal: ”… lesão submucosa do antro gástrico, com 35mm, heterogénea, predominantemente cística, que não capta de forma significativa o contraste endovenoso nem evidencia segura organização da parede. Poderá tratar-se de uma sequela de um hematoma ou de um GIST… Sem adenopatias perigástricas.”

Para uma melhor caracterização da lesão e eventual biopsia, foi realizada ecoendoscopia. Na visão endoscópica constatou-se a presença de uma lesão subepitelial de grandes dimensões, a ocupar grande parte do antro gástrico.

ecoendoscopia mostrou uma lesão no interior da submucosa, com 44mm x 26mm de maiores diâmetros, na sua maior parte homogénea, com um predomínio de componente ecogénico mas com reforço acústico posterior (sugestivo de componente líquido, embora espesso) e presença de 2 componentes sólidos, tipo vegetações, com 7,7mm e 10,3mm (imagens 1 a 4)

Imagens 1 a 4 – Ecoendoscopia Radial

 

Foi realizada punção aspirativa, com agulha de 22G (PAAF), das vegetações (para exame citológico) e do componente líquido (para exame citológico e microbiológico), o qual se apresentou espesso e acastanhado (imagens 5 e 6).

Imagens 5 e 6 – Ecoendoscopia linear com PAAF

 

As características ecoendoscópicas da lesão favoreciam o diagnóstico de abcesso da parede gástrica versus tumor do estroma gastrintestinal (GIST) necrosado.

O exame citológico assim como o exame histológico do “cellblock” foram a favor de se tratar de lesão inflamatória, sugerindo ser mais provável a hipótese de abcesso. No líquido aspirado isolou-se um streptococcus viridians.

O doente encontrava-se assintomático, sem antecedentes de febre e sem elevação de parâmetros analíticos de inflamação. Negava antecedentes de patologia gástrica ou de intervenções endoscópicas, sem antecedentes de sépsis nos meses prévios, que pudesse explicar uma infeccção da parede gástrica por contiguidade ou disseminação por via hematogénea.

A lesão foi reavaliada por ecoendoscopia após 12 dias, com a finalidade de se avaliar a possibilidade da sua drenagem. Constatou-se diminuição marcada do componente anecóico (liquido) da lesão e presença em maior quantidade de conteúdo heterogéneo e ecogénico, sugestivo de restos necróticos e presença de septos (imagens 7 e 8)

Imagens 7 e 8– Ecoendoscopia linear (12 dias após)

 

A história clínica e os últimos achados vinham colocar em causa a hipótese de abcesso e reforçar a possibilidade da lesão corresponder na verdade a uma lesão sólida tumoral.

Perante estes achados o doente foi orientado para ressecção cirúrgica, tendo sido submetido a gastrectomia subtotal (antrectomia) laparoscópica.

O exame histológico da peça operatória mostrou uma lesão dependente da muscularis mucosae, constituída por proliferação fusocelular e epitelióide, sem significativa atipia citológica e com baixo índice mitótico. O estudo imunohistoquimíco mostrou positividade para o CD117 (c-kit) e CD 34, negatividade para a desmina e proteína S100 e expressão fraca para actina, permitindo confirmar o diagnóstico de GIST de baixo grau.

 

COMENTÁRIO:

Os GIST são os tumores mesenquimatosos mais frequentes do tubo gastrointestinal, localizando-se mais frequentemente no estômago. São lesões subepiteliais localizadas na camada muscularis própria ou na muscularis mucosa, que se pensa terem origem nas células intesticiais de Cajal (células pacemaker reguladoras da motilidade intestinal). São constituídos essencialmente por células fusiformes que, em cerca de 95% dos casos, exprimem o receptor da cínase de tirosina (c-kit/CD117), identificável pela análise imunohistoquímica, característica fundamental que permite diferenciá-los dos outros tumores mesenquimatosos. Na maioria dos casos não causam sintomatologia, constituindo um achado incidental em exame imagiológico de rotina. Apesar da história natural destes tumores não estar bem definida, por definição qualquer GIST deve ser considerado como tendo potencial maligno, considerando-se como principais factores de prognóstico, as dimensões e o índice mitótico. Definir o prognóstico e o risco de malignidade pré-operatoriamente é um desafio, na medida em que não existem critérios imagiológicos e citológicos que permitam um diagnóstico de certeza.

A ecoendoscopia tem um papel fundamental na avaliação das lesões subepiteliais, em particular na avaliação dos tumores mesenquimatosos, permitindo avaliar as dimensões, as características ecoendoscópicas e realizar punção aspirativa com agulha fina (PAAF) e/ou biopsia para colheita de material para exame citológico/ anátomo-patológico, tendo por objectivo diferenciar os GIST dos outros tumores mesenquimatosos e procurar prever o seu comportamento. Vários estudos têm procurado encontrar características ecoendoscópicas preditivas do comportamento e do potencial maligno dos GIST, sugerindo que lesões com mais de 3-4cm, heterogéneas, com contornos irregulares e presença de áreas císticas no seu interior, tenham um comportamento mais agressivo. O exame imunocitoquímico das amostras colhidas por PAAF/ biopsia é determinante para o diagnóstico de GIST mas tem pouca utilidade para definir o comportamento biológico, na medida em que não permite determinar com fiabilidade o índice mitótico. A presença de áreas císticas é mais frequente em GIST de maiores dimensões e corresponde a áreas com necrose extensa, estando descritos na literatura raros casos de formação de abcesso em GIST necrosados. Recomendações internacionais para abordagem dos GIST, sugerem a exérese cirúrgica quando um GIST apresenta ≥3cm e/ou caraterísticas ecoendoscópicas sugestivas de agressividade.

 

Autores: R. Pimentel, T. Moreira, F. Castro Poças

Serviço de Gastrenterologia (Directora: Drª Isabel Pedroto), Centro Hospitalar do Porto