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US Quiz of the Month – September 2012

CASE REPORT

Doente do sexo feminino, de 74 anos, com diagnóstico de estenose da papila duodenal como complicação tardia de ressecção endoscópica de tumor da ampola de Vater (adenoma tubulo-viloso com displasia de baixo grau, com margens livres de lesão). A doente foi internada por colangite aguda e sépsis (icterícia, febre alta, taquicárdia, prostração, leucocitose e trombocitopenia), com evidência ecográfica de dilatação das vias biliares e coledocolitíase. Após várias tentativas não conseguidas de canulação da via biliar por CPRE (por impossibilidade de identificar a papila estenosada), optou-se pela abordagem rendezvous ecoendoscopia-CPRE.

O procedimento foi realizado sob sedação profunda, sob controlo fluoroscópico simultâneo. A ecoendoscopia documentou dilatação da VBP, com sludge e litíase na sua extremidade distal (Figura 1).

Figura 1. Ecoendoscopia linear (bulbo). Dilatação da VBP, com sludge e litíase.

Após punção transduodenal da VBP guiada por ecoendoscopia, utilizando uma agulha 19G, procedeu-se à injecção de contraste na via biliar e à passagem de fio-guia (0.35) no sentido distal através da papila obstruída (Figuras 2 e 3).

Figura 2. Ecoendoscopia linear (bulbo duodenal). Punção transbulbar da VBP.

Figura 3. Fluoroscopia. Após punção da VBP e obtenção de colangiograma, passagem de fio guia no sentido distal, franqueando a papila obstruída.

 

Após passagem do fio guia através da papila obstruída, foi removido o ecoendoscópio e introduzido o duodenoscópio (para a realização de CPRE), mantendo o fio-guia previamente colocado por ecoendoscopia na posição transbulbar – transcolédoco – transpapilar (Figura 4).

Figura 4. Fluoroscopia e duodenoscopia. Fio-guia transpapilar (permitindo a realização sequencial de CPRE).

 

Foi então realizada CPRE, com canulação retrógrada da papila com esficterótomo (assistida pelo fio-guia colocado por ecoendoscopia), seguida de dilatação da papila (esfincteroplastia) com balão CRE até 12mm de diâmetro (Figura 5).

Figura 5. CPRE. Canulação da VBP e esfincteroplastia com balão CRE.

 

Após extracção de vários cálculos com balão, colocou-se prótese biliar plástica 10 Fr, com boa drenagem biliar (Figura 6).

 

Figura 6. CPRE – Fluoroscopia. Colocação de prótese biliar.

 

Verificou-se regressão do quadro clínico de colangite aguda, tendo a doente recuperado sem complicações.

 

COMENTÁRIO

 

O acesso à via biliar guiado por ecoendoscopia constitui uma alternativa menos invasiva à via percutânea (CPT) e à drenagem cirúrgica após insucesso da CPRE.

A colangiografia guiada por ecoendoscopia foi descrita pela primeira vez em 1996 por Wiersema, servindo como mapa para a CPRE com pré-corte. Posteriormente, como extensão natural da técnica de colangiografia guiada por ecoendoscopia, foi descrita a descompressão biliar directa por ecoendoscopia, com criação de uma anastomose bilio-entérica (Giovannini, 2001) e, à semelhança do presente caso, foi descrita a combinação da potencialidade da colangiografia por ecoendoscopia e a intervenção transpapilar por CPRE assistida por fio-guia – técnica rendezvous (Mallery, 2004; Kahaleh, 2004).

Entre as vantagens da descompressão biliar guiada por ecoendoscopia (perante o insucesso da CPRE), comparativamente à CPT e à descompressão cirúrgica, salienta-se: a punção da VBP guiada em tempo real com color-Doppler (diminuindo a probabilidade de lesão vascular); a menor quantidade de ascite no campo de intervenção (se presente no peritoneu); o maior conforto para o doente (sem manipulação percutânea; sem dreno externo); e a possibilidade de drenagem transpapilar, mais fisiológica. A abordagem rendezvous ecoendoscopia-CPRE aqui apresentada constitui uma alternativa particularmente relevante na obstrução biliar no doente crítico (como nos casos de icterícia obstrutiva ou colangite associados a elevados índices de gravidade), em que as técnicas de descompressão biliar por via percutânea ou cirúrgica apresentam elevada morbilidade.

 

Autores: Miguel Bispo, Pedro Pinto Marques, David Serra e Leopoldo Matos

Instituições: Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental e Hospital da Luz