Doente do sexo feminino, de 74 anos, com diagnóstico de estenose da papila duodenal como complicação tardia de ressecção endoscópica de tumor da ampola de Vater (adenoma tubulo-viloso com displasia de baixo grau, com margens livres de lesão). A doente foi internada por colangite aguda e sépsis (icterícia, febre alta, taquicárdia, prostração, leucocitose e trombocitopenia), com evidência ecográfica de dilatação das vias biliares e coledocolitíase. Após várias tentativas não conseguidas de canulação da via biliar por CPRE (por impossibilidade de identificar a papila estenosada), optou-se pela abordagem rendezvous ecoendoscopia-CPRE.
O procedimento foi realizado sob sedação profunda, sob controlo fluoroscópico simultâneo. A ecoendoscopia documentou dilatação da VBP, com sludge e litíase na sua extremidade distal (Figura 1).
Figura 1. Ecoendoscopia linear (bulbo). Dilatação da VBP, com sludge e litíase.
Após punção transduodenal da VBP guiada por ecoendoscopia, utilizando uma agulha 19G, procedeu-se à injecção de contraste na via biliar e à passagem de fio-guia (0.35) no sentido distal através da papila obstruída (Figuras 2 e 3).
Figura 2. Ecoendoscopia linear (bulbo duodenal). Punção transbulbar da VBP.
Figura 3. Fluoroscopia. Após punção da VBP e obtenção de colangiograma, passagem de fio guia no sentido distal, franqueando a papila obstruída.
Após passagem do fio guia através da papila obstruída, foi removido o ecoendoscópio e introduzido o duodenoscópio (para a realização de CPRE), mantendo o fio-guia previamente colocado por ecoendoscopia na posição transbulbar – transcolédoco – transpapilar (Figura 4).
Figura 4. Fluoroscopia e duodenoscopia. Fio-guia transpapilar (permitindo a realização sequencial de CPRE).
Foi então realizada CPRE, com canulação retrógrada da papila com esficterótomo (assistida pelo fio-guia colocado por ecoendoscopia), seguida de dilatação da papila (esfincteroplastia) com balão CRE até 12mm de diâmetro (Figura 5).
Figura 5. CPRE. Canulação da VBP e esfincteroplastia com balão CRE.
Após extracção de vários cálculos com balão, colocou-se prótese biliar plástica 10 Fr, com boa drenagem biliar (Figura 6).
Figura 6. CPRE – Fluoroscopia. Colocação de prótese biliar.
Verificou-se regressão do quadro clínico de colangite aguda, tendo a doente recuperado sem complicações.
COMENTÁRIO
O acesso à via biliar guiado por ecoendoscopia constitui uma alternativa menos invasiva à via percutânea (CPT) e à drenagem cirúrgica após insucesso da CPRE.
A colangiografia guiada por ecoendoscopia foi descrita pela primeira vez em 1996 por Wiersema, servindo como mapa para a CPRE com pré-corte. Posteriormente, como extensão natural da técnica de colangiografia guiada por ecoendoscopia, foi descrita a descompressão biliar directa por ecoendoscopia, com criação de uma anastomose bilio-entérica (Giovannini, 2001) e, à semelhança do presente caso, foi descrita a combinação da potencialidade da colangiografia por ecoendoscopia e a intervenção transpapilar por CPRE assistida por fio-guia – técnica rendezvous (Mallery, 2004; Kahaleh, 2004).
Entre as vantagens da descompressão biliar guiada por ecoendoscopia (perante o insucesso da CPRE), comparativamente à CPT e à descompressão cirúrgica, salienta-se: a punção da VBP guiada em tempo real com color-Doppler (diminuindo a probabilidade de lesão vascular); a menor quantidade de ascite no campo de intervenção (se presente no peritoneu); o maior conforto para o doente (sem manipulação percutânea; sem dreno externo); e a possibilidade de drenagem transpapilar, mais fisiológica. A abordagem rendezvous ecoendoscopia-CPRE aqui apresentada constitui uma alternativa particularmente relevante na obstrução biliar no doente crítico (como nos casos de icterícia obstrutiva ou colangite associados a elevados índices de gravidade), em que as técnicas de descompressão biliar por via percutânea ou cirúrgica apresentam elevada morbilidade.
Autores: Miguel Bispo, Pedro Pinto Marques, David Serra e Leopoldo Matos
Instituições: Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental e Hospital da Luz